USUCAPIÃO
O
usucapião é modo originário de aquisição da propriedade. Modo originário, pois
a partir do momento em que o possuidor preenche os requisitos para sua
obtenção, a propriedade torna-se originariamente sua, excluindo todas as
ligações com o antigo possuidor. A doutrina majoritária entende que são
excluídos até mesmo os direitos reais gravados anteriormente na coisa. Dessa
maneira, o imóvel que é garantido por hipoteca e que venha a ser adquirido por
outra pessoa, por usucapião, perderá tal garantia.
O
fundamento do usucapião é intimamente relacionado com a função social da
propriedade. Por meio desta, o proprietário de um imóvel deve utilizá-lo da
melhor maneira possível, observando sempre o interesse da coletividade. Não o
utilizando dessa forma, como no caso do proprietário que abandona o imóvel
deixando-o baldio, perderá a propriedade para aquele que, mesmo não sendo o
real proprietário, nela realizou obras, plantações, etc., utilizando a
propriedade com a devida correspondência que a sociedade exige e necessita.
Há
várias modalidades de usucapião, cada uma delas contendo requisitos específicos
para sua configuração. Além destes requisitos específicos, há requisitos
genéricos que são aplicáveis de forma igual a todas as modalidades.
Abaixo
iremos, então, analisar os requisitos genéricos que se aplicam a todas as
modalidades de usucapião.
1. Posse
com animus domini: O possuidor, que
não o proprietário, deverá utilizar o imóvel com a intenção de ser dono. Neste
diapasão, o locatário jamais adquirirá por usucapião a propriedade do imóvel
locado, pois lhe falta a vontade de ser dono (animus domini).
2. Posse
mansa e pacífica: Refere-se à posse que não foi contestada pelo dono. Assim, se
uma pessoa reside em um determinado imóvel, cuja propriedade pretende adquirir
por usucapião, não o adquirirá se o dono ingressar, antes de preenchidos todos
os requisitos legais, com ação judicial defendendo seu direito.
3. Posse
contínua e duradoura: A posse não poderá ser interrompida ou descontínua, ou
seja, aquele que está utilizando o imóvel deverá continuar nessa qualidade, sem
que haja lapsos temporais.
4. Posse
justa: Não se encontra no ordenamento jurídico a definição de posse justa.
Todavia, entendemos por injusta a posse clandestina, violenta e precária. A
posse violenta é aquela com grave ameaça e violência contra o possuidor
originário; a posse clandestina é aquela em que o agente se utiliza de
artimanhas para adquirir a posse do bem; a posse precária é aquela que se obtém
através da quebra de confiança. Posto isso, não sendo a posse violenta,
clandestina ou precária, o possuidor terá posse justa. Importante destacar que,
mesmo a posse sendo, primeiramente, injusta, poderá ser convertida para justa
possibilitando que o possuidor adquira a propriedade pelo usucapião, desde que
contados os prazos legais e demais requisitos a partir dessa conversão.
Uma vez
demonstrados os requisitos genéricos, vamos, agora, analisar as modalidades de
usucapião e seus requisitos específicos.
1. Usucapião
Ordinário: Está previsto no artigo 1.242 do Código Civil, que diz:
Art. 1.242: Adquire
também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com
justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.
Portanto,
além dos requisitos genéricos que já explicamos, são exigidos, para essa
modalidade de usucapião, os seguintes:
a) 10 anos: O possuidor, que não o proprietário,
deverá utilizar o bem por 10 anos consecutivos e ininterruptos.
Nos
termos do parágrafo único do mesmo artigo acima citado, o prazo poderá ser de 5
anos, ao invés de 10 anos, se o possuidor nele residir ou tiver realizado
investimentos de interesse social e econômico, como plantações, construções,
etc.
b) Justo
título: Por justo título entende-se o documento que era apto a transferir a
propriedade ao possuidor, mas que por algum motivo não se concretizou. Como
exemplo citamos um testamento que, após atribuir um bem imóvel a uma
determinada pessoa, vem a ser declarado nulo.
c) Boa-fé: A boa-fé exigida, nesse caso, é a
subjetiva, ou seja, aquela que leva em consideração o estado psicológico da
pessoa, no sentido dela exercer a posse com a certeza de que é a verdadeira
dona do imóvel, embora não seja. Aproveitando o exemplo do item anterior, temos
como de boa-fé a pessoa que recebeu o bem por meio do testamento, mas que não
sabia que o instrumento era nulo. Nessa hipótese, a pessoa utilizou o bem como
se dona fosse, embora, pela nulidade, não o era.
2. Usucapião
Extraordinário: Esta modalidade está prevista no artigo 1.238 do Código Civil:
Art. 1.238: Aquele
que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um
imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé;
podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de
título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Apenas
um requisito específico é exigido:
a) 15
anos: O possuidor deverá exercer a posse no bem por 15 anos.
Não
se exige, nessa modalidade, o justo título e a boa-fé, pois, pelo tempo maior,
são presumidos. Dessa forma, mesmo que de má-fé, adquire a propriedade aquele
que por 15 anos tiver a posse do imóvel contínua e ininterruptamente.
Cumpre
informar que a posse deve ser justa, pois se injusta (posse violenta,
clandestina ou precária), não se terá a contagem do prazo para fins de
usucapião. É o caso, por exemplo, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra que
invade terrenos e deles tomam a posse injustamente (posse violenta). Os
invasores não conseguirão a propriedade do imóvel por usucapião, ainda que nele
permaneçam por mais de 15 anos.
O
usucapião extraordinário também admite a redução do prazo de 15 anos para 10
anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua residência ou se nele
houver realizado obras e serviços de caráter produtivo.
3. Usucapião
Especial: É também denominado usucapião
constitucional, pois sua previsão consta expressamente, além do Código
Civil, na Constituição Federal. Essa modalidade é subdividida em usucapião especial urbano e usucapião especial rural.
3.1. Usucapião
Especial Urbano: São requisitos específicos dessa modalidade:
a)
5 anos: Posse ininterrupta por 5 anos.
b)
Área não superior a 250m²: O terreno urbano não poderá
ser superior a 250m².
c)
Moradia: O possuidor deverá utilizar a área para
sua moradia ou de sua família.
d)
Não ser proprietário de imóvel: Não poderá ser
proprietário de outro imóvel, seja ele rural ou urbano.
3.2. Usucapião
Especial Rural: Os requisitos especiais são:
a) 5 anos:
O possuidor deverá, ininterruptamente, estar na posse do bem por, no mínimo, 5
anos.
b) Área
não superior a 50 hectares: O terreno deverá estar situado em zona rural e não
poderá exceder 50 hectares.
c) Terra
produtiva: A terra deverá ser produtiva pelo trabalho do possuidor ou de sua
família. Os possuidores deverão, assim, cultivar as terras, etc.
d) Moradia:
Deverá o possuidor estabelecer sua moradia no terreno.
e) Não ser
proprietário de outro imóvel: Não poderá o possuidor ser proprietário de outro
imóvel rural ou urbano.
4. Usucapião
Coletivo: É previsto no artigo 10 do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), e
necessita, além dos requisitos genéricos, dos seguintes:
a) 5 anos:
A área deverá ser ocupada por, no mínimo, 5 anos.
b) Área
urbana com mais de 250m²: O terreno deverá ser superior a 250m², tendo em vista
que, se inferior, estaremos diante do instituto do usucapião especial urbano.
c) População
de baixa renda: Deverá o terreno superior a 250m² estar ocupado por população
de baixa renda.
d) Moradia:
A população ocupante do terreno deverá utilizá-lo para moradia.
e) Impossibilidade
de separação dos terrenos: O terreno deve ser indivisível, não podendo ser identificada
a área ocupada por cada possuidor separadamente.
f) Não ser
proprietário de imóvel: Os possuidores não poderão ser proprietários de outro
imóvel urbano ou rural.
Note-se
que no usucapião coletivo não se exige o justo título e a boa-fé por parte dos
possuidores.
5. Usucapião
Familiar: Inovação de 2011 que culminou na criação do artigo 1.240-A do Código
Civil, que apregoa:
Art. 1.240-A: Aquele que exercer, por 2 anos
ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel
urbano de até 250m² cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro
que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família,
adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro
imóvel urbano ou rural.
São
requisitos específicos dessa modalidade:
a) 2 anos:
A posse deverá ser exercida por no mínimo 2 anos após o abandono de lar do
outro cônjuge (casamento) ou companheiro (união estável).
b) Área
urbana inferior a 250m²: O terreno deverá ser inferior a 250m², em área urbana.
c) Propriedade
comum: A propriedade deverá ser de ambos os cônjuges e companheiros. Com isso,
não há que se falar em usucapião familiar quando o imóvel for herança de apenas
um dos cônjuges e o regime patrimonial não permitir tal meação, por exemplo.
d) Moradia:
O imóvel deve servir de moradia para ambos os cônjuges ou companheiros.
e) Abandono
de lar: Um dos cônjuges ou companheiro deverá abandonar o lar.
f) Não ser
proprietário de imóvel: Os possuidores não poderão ser proprietários de outro
imóvel urbano ou rural.
g) Único
benefício: O usucapião familiar não pode ser concedido mais de uma vez para o
mesmo cônjuge ou companheiro, ainda que se trate de outra relação afetiva.
Essa
modalidade de usucapião, como já dito, é recente e ainda aguarda decisões para
melhor moldá-la, visto que sofre constantes críticas, pois, imaginem a situação
de uma mulher que tenha 80% da propriedade, e que constantemente é agredida
pelo marido, que tem apenas 20%, e, cansada das agressões, deixa o lar. Nessa
hipótese, está clara a intenção da esposa em abandonar o lar pelas agressões,
mas não com o fito de perder o imóvel em favor do marido agressor. Em todo
caso, a melhor medida que deverá ser tomada pelo cônjuge que abandona o lar é
entrar com ação cautelar de separação de corpos, onde exporá os motivos do
abandono, visando não perder a propriedade.
Cumpre
a nós, agora, expor algumas disposições gerais.
Primeiramente,
é importante frisar que nenhum imóvel público será adquirido por usucapião,
seja qual for a modalidade. Portanto, é impossível usucapir uma praça, uma
escola, um terreno público, etc. Igualmente, nenhum bem fora do comércio poderá
ser adquirido por usucapião, como exemplo, o mar, o ar, a luz, etc.
Por
fim, assim como nos imóveis, o usucapião também recai sobre os bens móveis. Os
requisitos genéricos do usucapião de bem móvel são os mesmos do usucapião de
bem imóvel.
São
duas as modalidades de usucapião de bem móvel, quais sejam:
1. Usucapião
Ordinário: Além dos requisitos genéricos, exige-se ao usucapião ordinário:
a) 3 anos:
Deverá o possuidor estar na posse do bem por 3 anos, no mínimo.
b) Justo
título: Como já dissemos, é o documento que seria apto a transferir o bem, mas
que por algum motivo, não o transferiu. Como exemplo, o mesmo caso do
testamento nulo, mas que, ao invés de atribuir um imóvel, atribua um carro (bem
móvel).
c)
Boa-fé: A pessoa deve estar na posse do bem
pensando ser a dona, embora não seja.
2. Usucapião
Extraordinário: O único requisito especial é:
a)
5 anos: O possuidor deverá estar na posse
do bem por, no mínimo, 5 anos.
Não se
exige o justo título e a boa-fé. Portanto, mesmo que de má-fé, o possuidor
poderá adquirir o bem por usucapião.
Como podemos notar, embora os requisitos sejam similares
(diferenciando apenas os prazos), as modalidades do usucapião sobre bens
imóveis são muito mais amplas que aquelas pertinentes ao usucapião de bens
móveis.
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