segunda-feira, 19 de setembro de 2011


USUCAPIÃO

O usucapião é modo originário de aquisição da propriedade. Modo originário, pois a partir do momento em que o possuidor preenche os requisitos para sua obtenção, a propriedade torna-se originariamente sua, excluindo todas as ligações com o antigo possuidor. A doutrina majoritária entende que são excluídos até mesmo os direitos reais gravados anteriormente na coisa. Dessa maneira, o imóvel que é garantido por hipoteca e que venha a ser adquirido por outra pessoa, por usucapião, perderá tal garantia.
O fundamento do usucapião é intimamente relacionado com a função social da propriedade. Por meio desta, o proprietário de um imóvel deve utilizá-lo da melhor maneira possível, observando sempre o interesse da coletividade. Não o utilizando dessa forma, como no caso do proprietário que abandona o imóvel deixando-o baldio, perderá a propriedade para aquele que, mesmo não sendo o real proprietário, nela realizou obras, plantações, etc., utilizando a propriedade com a devida correspondência que a sociedade exige e necessita.
Há várias modalidades de usucapião, cada uma delas contendo requisitos específicos para sua configuração. Além destes requisitos específicos, há requisitos genéricos que são aplicáveis de forma igual a todas as modalidades.
Abaixo iremos, então, analisar os requisitos genéricos que se aplicam a todas as modalidades de usucapião.

1.     Posse com animus domini: O possuidor, que não o proprietário, deverá utilizar o imóvel com a intenção de ser dono. Neste diapasão, o locatário jamais adquirirá por usucapião a propriedade do imóvel locado, pois lhe falta a vontade de ser dono (animus domini).
2.    Posse mansa e pacífica: Refere-se à posse que não foi contestada pelo dono. Assim, se uma pessoa reside em um determinado imóvel, cuja propriedade pretende adquirir por usucapião, não o adquirirá se o dono ingressar, antes de preenchidos todos os requisitos legais, com ação judicial defendendo seu direito.
3.    Posse contínua e duradoura: A posse não poderá ser interrompida ou descontínua, ou seja, aquele que está utilizando o imóvel deverá continuar nessa qualidade, sem que haja lapsos temporais.
4.    Posse justa: Não se encontra no ordenamento jurídico a definição de posse justa. Todavia, entendemos por injusta a posse clandestina, violenta e precária. A posse violenta é aquela com grave ameaça e violência contra o possuidor originário; a posse clandestina é aquela em que o agente se utiliza de artimanhas para adquirir a posse do bem; a posse precária é aquela que se obtém através da quebra de confiança. Posto isso, não sendo a posse violenta, clandestina ou precária, o possuidor terá posse justa. Importante destacar que, mesmo a posse sendo, primeiramente, injusta, poderá ser convertida para justa possibilitando que o possuidor adquira a propriedade pelo usucapião, desde que contados os prazos legais e demais requisitos a partir dessa conversão.

Uma vez demonstrados os requisitos genéricos, vamos, agora, analisar as modalidades de usucapião e seus requisitos específicos.

1.      Usucapião Ordinário: Está previsto no artigo 1.242 do Código Civil, que diz:

Art. 1.242: Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.

Portanto, além dos requisitos genéricos que já explicamos, são exigidos, para essa modalidade de usucapião, os seguintes:
a)     10 anos: O possuidor, que não o proprietário, deverá utilizar o bem por 10 anos consecutivos e ininterruptos.
Nos termos do parágrafo único do mesmo artigo acima citado, o prazo poderá ser de 5 anos, ao invés de 10 anos, se o possuidor nele residir ou tiver realizado investimentos de interesse social e econômico, como plantações, construções, etc.
b)   Justo título: Por justo título entende-se o documento que era apto a transferir a propriedade ao possuidor, mas que por algum motivo não se concretizou. Como exemplo citamos um testamento que, após atribuir um bem imóvel a uma determinada pessoa, vem a ser declarado nulo.
c)     Boa-fé: A boa-fé exigida, nesse caso, é a subjetiva, ou seja, aquela que leva em consideração o estado psicológico da pessoa, no sentido dela exercer a posse com a certeza de que é a verdadeira dona do imóvel, embora não seja. Aproveitando o exemplo do item anterior, temos como de boa-fé a pessoa que recebeu o bem por meio do testamento, mas que não sabia que o instrumento era nulo. Nessa hipótese, a pessoa utilizou o bem como se dona fosse, embora, pela nulidade, não o era.

2.    Usucapião Extraordinário: Esta modalidade está prevista no artigo 1.238 do Código Civil:

Art. 1.238: Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Apenas um requisito específico é exigido:
a)    15 anos: O possuidor deverá exercer a posse no bem por 15 anos.
Não se exige, nessa modalidade, o justo título e a boa-fé, pois, pelo tempo maior, são presumidos. Dessa forma, mesmo que de má-fé, adquire a propriedade aquele que por 15 anos tiver a posse do imóvel contínua e ininterruptamente.
Cumpre informar que a posse deve ser justa, pois se injusta (posse violenta, clandestina ou precária), não se terá a contagem do prazo para fins de usucapião. É o caso, por exemplo, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra que invade terrenos e deles tomam a posse injustamente (posse violenta). Os invasores não conseguirão a propriedade do imóvel por usucapião, ainda que nele permaneçam por mais de 15 anos.
O usucapião extraordinário também admite a redução do prazo de 15 anos para 10 anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua residência ou se nele houver realizado obras e serviços de caráter produtivo.

3.    Usucapião Especial: É também denominado usucapião constitucional, pois sua previsão consta expressamente, além do Código Civil, na Constituição Federal. Essa modalidade é subdividida em usucapião especial urbano e usucapião especial rural.

3.1.    Usucapião Especial Urbano: São requisitos específicos dessa modalidade:
a)                5 anos: Posse ininterrupta por 5 anos.
b)               Área não superior a 250m²: O terreno urbano não poderá ser superior a 250m².
c)                Moradia: O possuidor deverá utilizar a área para sua moradia ou de sua família.
d)                Não ser proprietário de imóvel: Não poderá ser proprietário de outro imóvel, seja ele rural ou urbano.

3.2.   Usucapião Especial Rural: Os requisitos especiais são:
a)    5 anos: O possuidor deverá, ininterruptamente, estar na posse do bem por, no mínimo, 5 anos.
b)   Área não superior a 50 hectares: O terreno deverá estar situado em zona rural e não poderá exceder 50 hectares.
c)    Terra produtiva: A terra deverá ser produtiva pelo trabalho do possuidor ou de sua família. Os possuidores deverão, assim, cultivar as terras, etc.
d)    Moradia: Deverá o possuidor estabelecer sua moradia no terreno.
e)    Não ser proprietário de outro imóvel: Não poderá o possuidor ser proprietário de outro imóvel rural ou urbano.

4.    Usucapião Coletivo: É previsto no artigo 10 do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), e necessita, além dos requisitos genéricos, dos seguintes:
a)    5 anos: A área deverá ser ocupada por, no mínimo, 5 anos.
b)   Área urbana com mais de 250m²: O terreno deverá ser superior a 250m², tendo em vista que, se inferior, estaremos diante do instituto do usucapião especial urbano.
c)    População de baixa renda: Deverá o terreno superior a 250m² estar ocupado por população de baixa renda.
d)    Moradia: A população ocupante do terreno deverá utilizá-lo para moradia.
e)    Impossibilidade de separação dos terrenos: O terreno deve ser indivisível, não podendo ser identificada a área ocupada por cada possuidor separadamente.
f)      Não ser proprietário de imóvel: Os possuidores não poderão ser proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

Note-se que no usucapião coletivo não se exige o justo título e a boa-fé por parte dos possuidores.

5.     Usucapião Familiar: Inovação de 2011 que culminou na criação do artigo 1.240-A do Código Civil, que apregoa:

Art. 1.240-A: Aquele que exercer, por 2 anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

São requisitos específicos dessa modalidade:
a)    2 anos: A posse deverá ser exercida por no mínimo 2 anos após o abandono de lar do outro cônjuge (casamento) ou companheiro (união estável).
b)   Área urbana inferior a 250m²: O terreno deverá ser inferior a 250m², em área urbana.
c)    Propriedade comum: A propriedade deverá ser de ambos os cônjuges e companheiros. Com isso, não há que se falar em usucapião familiar quando o imóvel for herança de apenas um dos cônjuges e o regime patrimonial não permitir tal meação, por exemplo.
d)    Moradia: O imóvel deve servir de moradia para ambos os cônjuges ou companheiros.
e)    Abandono de lar: Um dos cônjuges ou companheiro deverá abandonar o lar.
f)      Não ser proprietário de imóvel: Os possuidores não poderão ser proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
g)    Único benefício: O usucapião familiar não pode ser concedido mais de uma vez para o mesmo cônjuge ou companheiro, ainda que se trate de outra relação afetiva.

Essa modalidade de usucapião, como já dito, é recente e ainda aguarda decisões para melhor moldá-la, visto que sofre constantes críticas, pois, imaginem a situação de uma mulher que tenha 80% da propriedade, e que constantemente é agredida pelo marido, que tem apenas 20%, e, cansada das agressões, deixa o lar. Nessa hipótese, está clara a intenção da esposa em abandonar o lar pelas agressões, mas não com o fito de perder o imóvel em favor do marido agressor. Em todo caso, a melhor medida que deverá ser tomada pelo cônjuge que abandona o lar é entrar com ação cautelar de separação de corpos, onde exporá os motivos do abandono, visando não perder a propriedade.

Cumpre a nós, agora, expor algumas disposições gerais.
Primeiramente, é importante frisar que nenhum imóvel público será adquirido por usucapião, seja qual for a modalidade. Portanto, é impossível usucapir uma praça, uma escola, um terreno público, etc. Igualmente, nenhum bem fora do comércio poderá ser adquirido por usucapião, como exemplo, o mar, o ar, a luz, etc.
Por fim, assim como nos imóveis, o usucapião também recai sobre os bens móveis. Os requisitos genéricos do usucapião de bem móvel são os mesmos do usucapião de bem imóvel.
São duas as modalidades de usucapião de bem móvel, quais sejam:
1.      Usucapião Ordinário: Além dos requisitos genéricos, exige-se ao usucapião ordinário:
a)    3 anos: Deverá o possuidor estar na posse do bem por 3 anos, no mínimo.
b)   Justo título: Como já dissemos, é o documento que seria apto a transferir o bem, mas que por algum motivo, não o transferiu. Como exemplo, o mesmo caso do testamento nulo, mas que, ao invés de atribuir um imóvel, atribua um carro (bem móvel).
c)    Boa-fé: A pessoa deve estar na posse do bem pensando ser a dona, embora não seja.

2.    Usucapião Extraordinário: O único requisito especial é:
a)   5 anos: O possuidor deverá estar na posse do bem por, no mínimo, 5 anos.
Não se exige o justo título e a boa-fé. Portanto, mesmo que de má-fé, o possuidor poderá adquirir o bem por usucapião.

         Como podemos notar, embora os requisitos sejam similares (diferenciando apenas os prazos), as modalidades do usucapião sobre bens imóveis são muito mais amplas que aquelas pertinentes ao usucapião de bens móveis.


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